Lei de doações de alimentos e a realidade brasileira.

Na quarta feira, dia 24 de junho de 2020, foi assinada a Lei n°14.016, do Ministério da Cidadania, voltada à evitar o desperdício de alimentos e promover a doação dos excedentes de produção que tenham “Qualidade Assegurada”, como diz na Lei. O Brasil é o quarto maior produtor de alimentos do mundo, segundo a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) em conjunto com a ONU (Organização das Nações Unidas). O texto da Lei brasileira diz que produtos “in natura”, produtos industrializados a até mesmo refeições prontas podem ser doados, desde que atendam aos seguintes critérios:

1) Estejam dentro do prazo de validade e conservação especificados;
2) Não tenham comprometimento na sua produção pelo fabricante, mesmo que haja danos nas embalagens;
3) Tenham mantidas as propriedades nutricionais, mesmo que encontrem aspecto comercialmente indesejável.

São critérios genéricos, podemos assim dizer, mas a Lei tem um aspecto social importantíssimo e poderia evitar desperdícios que no Brasil chegam a 40%, por diferentes motivos. Nossos “corações pandêmicos” louvam ações como estas, mas tecnicamente tenho que fazer algumas ressalvas importantes.

Realmente, na fabricação dos alimentos numa indústria, uma simples mudança na coloração dos mesmos, uma alteração numa solda de embalagem e até mesmo produtos levemente amassados, desuniformes ou com pequenos defeitos não podem ser comercializados e deveriam sim, ser doados. Vamos explicar alguns destes parâmetros. Quando citamos falhas na produção, dentro de empresas, com controle de qualidade atuante, gestão da qualidade entre outros, os aspectos físico químicos e microbiológicos estão controlados e os produtos processados na maioria das vezes possuem conservantes, em quantidades e porcentagens aprovadas e permitidas por legislação. Neste caso, seria tranquilo proceder estas doações.

O mesmo ocorre com produtos “in natura”, considerando frutas, legumes, verduras, que muitas vezes por possuírem amassados, pequenas injúrias causadas especialmente por armazenamento e transporte inadequado, acabam sendo desperdiçados. Mas produtos como leite e derivados, carnes e embutidos, pescados e ovos são os principais alimentos causadores de Doenças Transmitidas por Alimentos, as chamadas DTA´s. Com estas doenças, os postos de saúde e hospitais gastam no atendimento e com medicamentos. Trata-se sim, de um sério problema de saúde pública.


“…se preparados como pratos quentes, acima de 60°C e quando falamos de produtos refrigerados, mantidos abaixo de 5°C. Em TODA a cadeia de distribuição para serem considerados seguros para o consumo humano.”


Foto de uma marmita aberta ainda quente.

A Anvisa possui um canal de comunicação em toda a federação, pra apurar, notificar e quantificar estas doenças. Por isso, produtos destas naturezas devem ser mantidos, se preparados como pratos quentes, acima de 60°C e quando falamos de produtos refrigerados, mantidos abaixo de 5°C. Em TODA a cadeia de distribuição para serem considerados seguros para o consumo humano. Assim, vejo com dificuldades as doações de comida pronta, infelizmente.


“Para tentar minimizar as perdas neste setor, existem canais como o Programa Mesa Brasil, do SESC…”


Para tentar minimizar as perdas neste setor, existem canais como o Programa Mesa Brasil, do SESC, que desde 2003, atua com responsabilidade na coleta e distribuição dos alimentos. Mais recentemente foram criados os Bancos Alimentares, para auxiliar nesta captação, recepção e distribuição dos alimentos. Estes programas devem ser fortalecidos, através da formação e contratação de profissionais especializados e preparados. Tem como objetivo principal diminuir a fome e o desperdício e melhorar a vida dos menos favorecidos. 

O preço do desperdício é grande, realmente. Mas me preocupam seriamente as condições destas comidas ao serem distribuídas. Num país tão grande como o Brasil, com temperaturas ambientais elevadas a maior parte do ano, a cadeia de frio em muitos estabelecimentos acaba sendo falha. Equipamentos da cadeia de frio ainda hoje são caros, e em muitos locais acabam sendo negligenciados. Existem exceções, é claro, com muitos empresários atentos e conscientes, produzindo comida realmente segura.

Posso afirmar, após tantos anos de experiência, que produzir comida, armazenar matérias primas corretamente e pelo tempo certo para que permaneçam com qualidade para serem distribuídas, do ponto vista microbiológico, ainda é um desafio para muita gente.

A Consultech® quer participar ativamente deste processo, ajudando as empresas a garantirem a tal “Qualidade Assegurada” prevista em Lei, com critérios extremamente técnicos. Treinamentos, palestras, sensibilização e explicação técnica e coerente são necessários. Temos sim que tentar viabilizar estas doações, mas com competência e rigor. Só assim estaremos fazendo o bem aos mais necessitados e poderemos exercer nossos papéis de gestores com autoridade, eficiência e idoneidade.